AUTOR: Isabel Simões

DATA: 22.10.2022

DURAÇÃO: ...

No programa de hoje começamos por ouvir o trabalho da Catarina Almeida sobre a peça “Os Cadáveres São Bons Para Fazer Minas”- Está em cena na Oficina Municipal do Teatro e é a mais recente produção do Teatrão. Catarina Almeida marcou presença no ensaio de imprensa da peça “Os Cadáveres São Bons Para Fazer Minas”.


Na segunda parte do programa revisitamos algumas intervenções do debate integrado no programa Afro-Portugal que decorreu na Casa da Lusofonia. A iniciativa contou com a participação dos escritores africanos Mário Lúcio Sousa de Cabo Verde,  Kalaf Epalanga de Angola e Aida Gomes também de Angola. O debate realizou-se no âmbito do programa Afro-Portugal: Contas de Torna-Viagem. A curadoria foi de Catarina Martins da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

A escritora angolana, Aida Gomes é natural do Huambo em Angola e vive desde 1985 na Holanda. Fez parte de várias missões de paz da ONU. De acordo com o Portal da Literatura viu países renascerem da “mais cruel violência e viu outros perder a esperança de um dia conseguirem livros, uma estrada alcatroada, uma cama limpa num hospital”. O debate começou pelas memórias nacionais e da diáspora .

“Se nascemos em Moçambique ou Angola inevitavelmente está lá Portugal”, afirmou a escritora. Filha de pai português a Holanda foi o lugar onde se formou. A publicação veio depois de um certo cansaço com o trabalho na ONU. “Os Pretos de Pousaflores”, a história do exílio de uma família que foi tirada do seu berço é o trabalho mais recente. A chegada a Portugal aos oito anos não deixou saudades.

Kalaf Epalanga, Fundador da banda Buraka Som Sistema, está a morar em Berlim. Filho de angolanos que viveram a realidade de terem tido cartão do indígena, o músico tem a memória dessa realidade apenas através da família. O colonialismo presenciado por Kalaf tem mais a ver com o bloco soviético, americano e português do pós independência. Mais ligado à necessidade de conseguir adquirir dólares para ter alguma possibilidade de sobrevivência.  Em Angola é enorme a ginástica financeira que as famílias têm de fazer o que leva muitas vezes ao uso do humor para desmontar o medo.

O livro “O Angolano que comprou Lisboa (por metade do preço)” foi escrito na altura da Troika e os angolanos começavam a comprar em Portugal. Falava-se então “no colonialismo reverso”. Na altura Kalaf vivia na baixa de Lisboa e vestia de fato e gravata. “Eu gostava da brincadeira de tirar as coisas do lugar, almoçava numa tasca”. Alguém lhe perguntou se era angolano e propõe-lhe um negócio de compra do restaurante por metade do preço. Kalaf Epalanga nasceu já na Angola independente e por isso tem outro olhar sobre o neocolonialismo.

Mário Lúcio Sousa, músico e escritor foi ministro da cultura de Cabo Verde. Parte da vida morou no Campo do Tarrafal, a base das Forças Armadas de Cabo Verde.

“Agradeci a todos os que passaram no campo e deram a vida para que eu seja livre”, disse. O livro “O Diabo Foi Meu Padeiro” toma a voz de vários prisioneiros chamados Pedro e chegados em diferentes vagas de Portugal, da Guiné, de Angola e até de Cabo Verde e homenageia os que ali perderam a vida e os que sobreviveram ao horror.

Afirmando já ter resolvido o problema sobre o passado, o escritor já está a escrever sobre o futuro. Mário Lúcio considera que Portugal não sabe lidar com os países que colonizou e que o mundo precisa de fazer o luto de 40 milhões de escravizados. Tal como em Angola em Cabo Verde não há memória colonial na geração mais nova, lembrou.

Para Mário Lúcio existe “uma carência terrível de amor em certas sociedades” mais desenvolvidas. Deu como bom o exemplo de Cabo Verde que não tem asilo para velhos. “Trinta crianças na rua e os velhos tomam conta”, enalteceu o escritor. Quando as pessoas envelhecem ficam ao cuidado dos outros. “Em todo o caso…estamos a falar de cidadania”, concluiu.