AUTOR: Samantha Almeida

DATA: 23.07.2021

DURAÇÃO: ...

Ressonâncias II é uma performance de sonoridades que advém de uma proposta pelo Jazz ao Centro Clube a Pedro Martins e Luís Antero para a edição deste ano do Dar a ouvir. Paisagens Sonoras da Cidade. A primeira apresentação do trabalho teve lugar no passado Domingo, dia 18 de Julho, na Sala Conventual do Convento de S. Francisco, numa exibição apropriadamente cúmplice com o tema do evento, o “Rio Mondego”.

Pedro Martins e Luís Antero são, de certa forma, ou de forma certa, investigadores acústicos, exploradores de sonoridades. São ambos artistas cujo trabalho passa, não só por criar um arquivo de paisagens sonoras mas, também, por perscrutar novas formas de dar a ouvir, quer através de meios e de sons familiares com uma abordagem ou utilização singular, quer desenvolvendo e integrando ferramentas originais, como foi o caso da estrela do concerto o MS02.

Apesar de se tratar de uma performance cujo epicentro é o som, o seu apelo aos sentidos não se esgota na escuta. As componentes visuais e técnicas tornam-se também indissociáveis para a apreciação daquela que foi uma mostra de um todo com mais 37 minutos do que os 60 que foram possíveis naquela tarde. Na eventual possibilidade de apenas se escutar e não assistir ao concerto, não se adivinha que a panóplia dos sons que se distinguem é emanada a partir das gavetas de um móvel. Este é o MS02, um objecto personalizado com 35 gavetas e em cuja frente se desenha, no que parece ser a giz branco, a cidade de Coimbra atravessada pelo Rio Mondego. Não é, portanto, um móvel qualquer, nem tão pouco com finalidades de organização doméstica. Ordena, sem regras, ambientes desordenados, próprios da vida da cidade. Ao abrir cada gaveta, escuta-se uma parte ou partes da vida quotidiana; sejam sons de trânsito, chuva a bater com diferentes texturas e intensidades, pássaros, avionetas, vozes aleatórias da população, passos de saltos altos, ambulâncias, conversas cruzadas e louças que facilmente identificavam o ambiente sonoro de um qualquer café ou restaurante…

Enfim, naquelas pequenas gavetas de madeira cabe o que se conhece e o que não se reconhece das paisagens sonoras de Coimbra. O MS02 é uma ferramenta modificada com tecnologia própria que permite, a quem e de cada vez que se manipule, uma vasta exploração de painéis sonoros. É, por isso e também, um instrumento lúdico. Numa sala bem composta pelo público, Luís Antero conduziu uma criança a participar na performance para manipular algumas gavetas e, no fim, estendeu o convite a todos para experimentarem a peça.

O MS02, no entanto, não surgiu por acaso. É um upgrade do MS01, antecessor criado e utilizado pela dupla numa abordagem experimental apresentada no Dar a ouvir. Paisagens Sonoras da Cidade de 2017 e que posteriormente se desenvolveu no Ressonâncias da Alta e Sofia, trabalho que teve oportunidade de se dar a conhecer em 2018 no âmbito do mesmo projecto e inserido na programação de Natal do Serviço Educativo do JACC do ano seguinte.

A atmosfera sonora do Ressonâncias II é ainda continuamente acompanhada pelo experimentalismo de Pedro Martins e Luís Antero com recurso à guitarra e cujo som é, por sua vez, explorado no contacto com outros instrumentos como, por exemplo, um arco de violino e as hélices de uma pequena ventoinha portátil a roçar nas cordas da guitarra eléctrica. Estas experiências resultam num ambiente sonoro fluvial que, numa interpretação puramente conceptual, parecem dar conta dos fluxos do rio Mondego, sobre o qual se eleva a vida da cidade.

Para quem não teve oportunidade de assistir ou quem teve a curiosidade e o entusiasmo aguçados com a primeira apresentação, o Ressonâncias II regressa à mesma sala no dia 5 de Setembro para uma performance diferente, à qual se junta o trompetista João Silva.