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27.05.2022POR Helena Pais

Carlos Cortes: “O SNS tornou-se muito pouco atrativo para os médicos”

A falta de médicos de família no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os motivos que os levam a ir para o setor privado ou a emigrar foram alguns dos temas discutidos por Carlos Cortes. Também houve tempo para falar sobre a proposta que previa avaliar os médicos de família pela ausência de interrupções voluntárias da gravidez (IVG) e de doenças sexualmente transmissíveis (DST) nas utentes.

O espaço de comentário do Observatório do dia 25 de maio ficou a cargo do presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM), Carlos Cortes. A RUC quis conhecer o panorama da medicina familiar em Portugal, para o qual a SRCOM tem alertado no decorrer do mês de maio (mês em que se assinala o Dia Internacional dos Médicos de Família (a 19 de maio)).

Temos assistido a um fenómeno muito preocupante nestes últimos anos que é o aumento do número de utentes sem médico de família

De acordo com Carlos Cortes, “um milhão e 300 mil portugueses não têm, neste momento, médico de família”. Além disso, segundo o presidente da SRCOM, há um número significativo de profissionais de medicina familiar com mais de 65 anos que, “daqui a relativamente muito pouco tempo, deixarão de estar no SNS, porque entrarão para a reforma”. Carlos Cortes adianta que “se nada for feito pelo Ministério da Saúde para resolver esta situação, podemos ter mais de dois milhões de portugueses sem médico de família” num curto espaço de tempo. A falta de profissionais de medicina familiar no SNS “não é um problema recente”, mas sim “um problema crónico, já de há várias décadas”, acrescenta. Nas palavras do presidente da SRCOM, “foi sempre muito difícil ou quase impossível a tutela conseguir ter uma cobertura total no país de médicos de família”. Atualmente, “não há um planeamento feito para suprir estas dificuldades”, garante.

Há muitas dificuldades e essas dificuldades, muitas vezes, desmotivam os médicos e esses médicos acabam por sair do SNS

Carlos Cortes aponta que há muitos profissionais de medicina familiar a ir para o setor privado ou a emigrar para outros países, porque estão desmotivados com o SNS. Para o presidente da SRCOM, a desmotivação tem que ver, desde logo, com o salário que recebem, mas, sobretudo, com o facto de “não terem condições de trabalho para poderem tratar os seus doentes”. Neste sentido, Carlos Cortes destacou um dos resultados preliminares do inquérito “Médicos de família da Região Centro – Que realidade?”, promovido recentemente pela SRCOM, no âmbito das comemorações dos 40 anos da especialidade: 69% dos profissionais inquiridos dedicam até 20% do tempo de trabalho a tarefas não clínicas, “fundamentalmente burocráticas”. Carlos Cortes assegura que esta é “uma das queixas muito recorrentes” dos profissionais de medicina familiar. “Era preciso haver uma reorganização dentro dos próprios centros de saúde, retirando a carga burocrática dos médicos e colocando-a em pessoas que estão muito mais habilitadas para o fazer e que sabem muito bem fazê-lo: os assistentes técnicos”, defende.

Não podemos responsabilizar o médico por uma gravidez indesejada, nem a mulher

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) apresentou uma proposta ao Ministério da Saúde que previa incluir na avaliação dos médicos de família das Unidades de Saúde Familiar modelo B (USF-B) critérios como a ausência de interrupções voluntárias da gravidez e a ausência de doenças sexualmente transmissíveis nas utentes. Carlos Cortes diz discordar da proposta, que, entretanto, foi retirada pela própria ACSS, mas admite que compreende o objetivo, que é, segundo o presidente da SRCOM, “avaliar resultados”. Ainda assim, afirma que “não podemos avaliar todos os resultados da mesma forma”. Para Carlos Cortes, “esta situação em concreto, que tem que ver com o planeamento familiar, não podia ser tratada desta forma”. Sobre o planeamento familiar, acrescenta que, “em Portugal, é insuficiente e tem áreas desprotegidas, nomeadamente a área dos adolescentes a partir dos 14 anos”. A Direção-Geral da Saúde (DGS) devia, na perspetiva do presidente da SRCOM, construir um plano com vista a aproximar os jovens do SNS e colocá-los “mais próximos da informação”.

A entrevista na íntegra pode ser ouvida através do link que se encontra no topo do artigo.

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